Os corretores de imóveis foram obrigados a se acostumar com um novo tipo de cliente no último ano: o que pesquisa muito, faz dezenas de perguntas, negocia preço, dá uma baita impressão de que vai comprar — mas desiste na última hora.
Em meio àquela que deve ser a pior recessão no Brasil desde a década de 30, é essa a rotina nas imobiliárias e nos raros estandes de vendas de apartamentos novos espalhados pelo país.
Executivos do setor dizem que o mercado está praticamente parado há mais de um ano — poucas incorporadoras constroem, poucos clientes compram e só quem realmente precisa de dinheiro decide vender com desconto —, o que explica a queda nos preços em muitas cidades.
De acordo com a mais completa pesquisa imobiliária do país, feita pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e publicada com exclusividade por EXAME, o preço dos imóveis subiu, em média, apenas 1,8% em 2015, enquanto a inflação ficou em quase 11%. Foi o primeiro ano de queda real dos preços desde 2009, quando a pesquisa começou a ser feita.
A Fipe analisou 159 cidades e em apenas seis houve valorização em termos reais. Em sete delas a queda foi nominal — caso de Niterói, no Rio de Janeiro, e de Guarulhos, em São Paulo. É improvável que o mercado imobiliário saia da paralisia antes de a economia melhorar.
Mas alguns números indicam que o setor pode estar perto do fundo do poço — e que os preços podem voltar a subir, ainda que timidamente, em 2017. Para quem tem dinheiro e coragem, talvez seja a hora de comprar. O principal motivo da situação ruim no mercado imobiliário é a fuga dos compradores.
O cenário econômico é o fator principal (o medo de perder o emprego, a falta de perspectiva de aumento na renda), mas não o único. Com os juros elevados, é vantajoso deixar o dinheiro no banco, rendendo 15% ao ano em investimentos de renda fixa. Mas quem quer comprar está com mais dificuldade para conseguir financiamento.
Os bancos estão emprestando menos, o que fez diminuir o saldo do crédito imobiliário em 54% no último ano. Além disso, os juros estão maiores: a taxa média passou de 7,6%, em 2013, para 10,7% ao ano agora, segundo o Banco Central. Essa alta dos juros está provocando estragos.
De acordo com o banco JP Morgan, o pagamento das prestações de um financiamento imobiliário corresponde, em média, a 25% da renda dos brasileiros hoje; em 2010, o percentual estava em torno de 15%. Quem não tem como arcar com o aumento do custo do crédito deve procurar um imóvel mais barato — ou negociar um bom desconto.
Um cálculo feito pelo professor Michael Viriato, da escola de negócios Insper, mostra que, para compensar a alta dos juros, os consumidores precisam comprar imóveis que custem cerca de 15% menos do que custavam em 2012. A conta considera um financiamento de dez anos com 30% de entrada. Para quem pretende financiar a compra por 20 anos, o desconto precisa ser maior, de 20%.
Mas, para chegar a esse patamar, seria preciso que o preço médio no país caísse mais 25%. Ou seja, para quem depende de crédito, os imóveis não ficaram tão baratos assim. Além de haver menos demanda do que no passado, a oferta de imóveis é grande, e isso está contendo a alta dos preços na maioria das cidades.
As incorporadoras ainda estão entregando os empreendimentos lançados nos anos de euforia, e parte dos clientes está devolvendo os imóveis porque descobriu que não poderá pagá-los. Há milhares de imóveis encalhados. “As empresas estão empenhadas em reduzir os estoques, e os clientes buscam oportunidades nesse desequilíbrio”, diz Rodrigo Martins, presidente da incorporadora Rossi.
Diante desse cenário, os analistas esperam que os preços caiam em torno de 5%, em termos nominais, neste ano. Depois disso, é possível que os preços parem de cair, pelo menos de forma generalizada.
Uma razão para isso é específica do mercado imobiliário: a oferta de casas e apartamentos tende a diminuir, porque as incorporadoras estão construindo muito menos do que no passado e ajustando a oferta à demanda. O total de lançamentos em 2015 ficou 50% abaixo do patamar de 2011, e a expectativa é de uma nova redução de cerca de 40% neste ano.
O número de imóveis vendidos já é maior do que o de lançamentos, e isso está reduzindo, ainda que lentamente, o estoque de unidades não vendidas — o total caiu de quase 116 000 no início de 2014 para 111 300 agora. Além disso, a maioria dos economistas espera que a recessão termine neste ano e que o PIB cresça em 2017, o que ajudará a estabilizar os preços.
“A demanda deve superar a oferta, mas, para que isso ocorra de forma sustentada, a economia tem de se recuperar de verdade”, diz Eduardo Zylberstajn, pesquisador da Fipe responsável pelo levantamento publicado com exclusividade por EXAME.
O impacto do impeachment
Um possível impeachment da presidente Dilma Rousseff pode beneficiar esse mercado, como está acontecendo com a bolsa e o câmbio? Pode, mas os efeitos devem ser percebidos de forma bem mais lenta no setor imobiliário do que no mercado financeiro. A bolsa e o câmbio reagem quase instantaneamente à mudança de humor na economia.
Como a troca de governo é vista como uma chance de melhorar o país, as ações estão valorizando, e a cotação do dólar está caindo desde que aumentou a probabilidade do impeachment. Só decide comprar um imóvel quem tem algum grau de confiança no futuro, mas isso não é suficiente para fazer o mercado imobiliário deslanchar.
A retomada depende, principalmente, de dois fatores concretos: renda e crédito — que foram os responsáveis pela euforia da última década. Entre 2004 e 2014, o rendimento médio dos brasileiros aumentou 43%, e a taxa de desemprego caiu em 2014 para 4,8%, o patamar mais baixo da história.
Em 2004, mudanças regulatórias deram mais segurança jurídica aos bancos, que passaram a financiar imóveis como nunca. Em dez anos, o volume de crédito cresceu 50 vezes. Com isso, os preços dispararam. De 2009 — quando EXAME publicou sua primeira pesquisa imobiliária — a 2014, subiram quase 160% — mas, dependendo do bairro, os valores triplicaram.
A expectativa de ganhar dinheiro comprando e vendendo atraiu uma série de investidores novatos. O oba-oba era tamanho que os clientes corriam para reservar o direito de comprar casas e apartamentos que seriam lançados. Algumas incorporadoras chegaram a limitar o número de unidades que podiam ser adquiridas pelo mesmo cliente.
Dificilmente essas cenas se repetirão — muito menos no curto prazo. Os bancos só voltarão a emprestar se o risco de calotes diminuir. Ainda que a inadimplência do crédito imobiliário tenha se mantido estável, em torno de 2%, os atrasos nos pagamentos subiram quase 20% desde janeiro de 2015, para 8,6%.
Para a agência de classificação de riscos Moody’s, a tendência é que esses índices piorem, uma vez que “uma parcela considerável” dos financiamentos foi concedida numa época de crescimento econômico a consumidores que os bancos mal conheciam — e que podem enfrentar dificuldades financeiras na atual recessão. Além disso, o mercado está mais maduro após a “década de ouro”.
Os preços estão mais altos — o que limita o potencial de novas valorizações — e os investidores estão bem mais receosos. Quem comprou no auge da euforia e não conseguiu vender rapidamente ficou com um mico na mão — e perdeu a chance de aproveitar os juros altos para conseguir rendimentos elevados, com baixo risco, na renda fixa. Comprar para alugar também se mostrou um mau negócio.
A rentabilidade anual média obtida com a locação está em 4,6% do valor do imóvel, enquanto títulos do governo pagam 6% acima da inflação. “Proprietários que não estão conseguindo vender seus imóveis decidem alugá-los, e isso está aumentando a oferta e derrubando os preços de locação. Para os inquilinos, tem sido mais fácil negociar”, diz Silvio Almeida, presidente da corretora BR Brokers.
Se a economia se recuperar, outros fatores poderão levar a uma alta moderada do preço dos imóveis nos próximos anos. Um deles é demográfico. Estimativas indicam que, a cada ano, 1,5 milhão de famílias serão formadas no país até 2030 — o que significa uma demanda constante por imóveis. Outro fator é o déficit habitacional, que é de 5,8 milhões de moradias, segundo o IBGE.
Cerca de 70% desse déficit está concentrado em famílias de baixa renda, mas também faltam imóveis para consumidores mais ricos. “Parte dessa demanda está reprimida por causa da recessão, mas deve voltar num cenário de melhora da economia, da confiança e do crédito”, diz Luiz Fernando Moura, diretor da Abrainc, associação que reúne as principais incorporadoras do país.
Para quem está na fase de pesquisa de preços para comprar ou vender, o levantamento da Fipe pode servir de referência. Nas próximas 74 páginas, estão publicados os preços médios em mais de 4 000 bairros.
Só uma coisa não muda nunca: imóveis nos bairros centrais têm desvalorizado menos do que os localizados em regiões mais afastadas. Leblon e Ipanema, no Rio de Janeiro, por exemplo, são os bairros mais caros do país há anos. Ali, apesar da crise, o preço médio do metro quadrado continua acima dos 20 000 reais.
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